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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Flip - Você perdeu?


Como falei...não pude deixar de assistir a palestra com Isabel Allende hoje às 17h15 na Flip. A transmissão pela internet estava muito boa, pena que falhou bem quando ela contava sobre o relacionamento (ou a falta dele) com o pai...

Ia só anotar algumas coisas, mas deixei o texto integral...tentei retirar as perguntas, porque estava tentando anotar toda a resposta e cortei muitas, não queria inventar.

Quem quiser ler, vou postar a entrevista completa, deu uma hora ao todo. No G1 (foto) já tem uma matéria, mas está focada em poucos trechos.

Isabel Allende – Mediador Humberto Werneck

8 de janeiro 2010 - Estava começando um livro.... Desde 1981 começo os livros na mesma data – com alguns rituais, acendo velas, faço meditação, cada vez o ritual fica mais prolongado, tenho certo temores. Cada livro novo é uma aventura, é como entrar em um recinto escuro onde está uma história e eu tenho que resgatá-la. “A ilha sobre o mar” [que está sendo lançado ] levou quatro anos de pesquisa. Sinto que meus personagens estão aí, tem algo quase mágico, há muita coisa que não me pertence.

Enfrentar papel ou uma tela em branco - Não me parece uma tortura escrever, mas o mais pesado é estar sentada todas estas horas. Mas o processo é fantástico, ainda que seja alguma coisa dolorosa, o trabalho da escrita é como entrar num mundo mágico.

Mau Livro - Percam o medo, escrevam um livro, mesmo que mau, depois consertamos um livro ruim, qualquer um deve fazê-lo...Todos os meus são ruins no início, depois eu tenho que corrigi-los e corrigi-los. As três primeiras semanas são terríveis, sempre sinto que nada sei, como se a escrita fosse uma montanha e como se nunca fosse chegar ao topo.

Erro - Como jornalista várias vezes. Mas como escritora, antes de “A Casa dos Espíritos”, escrevi “A gorda de Porcelana”. Depois do lançamento de “A Casa dos Espíritos” aquele editor publicou “A gorda de Porcelana”, era um livro ruim, eu quase morri de vergonha. Comprei quase toda a edição e não deixei ser reeditado, hoje é uma obra de colecionador.

(Mediador começa a falar de um personagem de Isabel)

Eu esqueci que tinha amputado a perna daquele personagem no livro anterior, tinha esquecido. No outro ele apareceu com a perna e um crítico falou: “isto é que é realismo fantástico!”

De um livro para outro

Todos são difíceis. Começar é sempre uma dificuldade e eu não me sinto segura, até chegar a opinião de quem lê as primeiras versões, eu fico insegura. Como eu escrevo em espanhol e moro nos EUA é um trabalho solitário, cheio de dúvidas e eu sinto que a voz critica em minha cabeça é cada vez mais dura. Antes minha mãe lia os meus livros, hoje ela já está com 90 anos.

Passado - Já escrevi vários romances históricos. Ele tem a vantagem de olharmos a história como expectador, como de uma grande angular. Para escrever “A Casa dos Espíritos” eu tinha toda a história completa em 1973, mas precisei de uma distância - até geográfica- para poder observar. Para mim é mais fácil...

O tempo presente - Acabo de terminar um romance que se passou em 2009. Não é que me assuste, mas gosto de ter uma distância para contar uma historia melhor, com ironia. Quando estou no olho do furacão eu não enxergo tão bem as coisas.

Língua - Infelizmente eu vivo em inglês com um marido que acha que fala em espanhol. E acabo escrevendo do jeito que ele fala. Tenho que pagar um tradutor para corrigir o texto. É muito importante o contato com a língua, é muito mais que a língua...é o humor, a chave. Quando volto ao Chile, volto no mínimo três vezes por ano, reencontro meus amigos, conversamos, eles me entendem , não tenho que explicar nada, é muito importante.

Escrevo não-ficção em inglês, mas ficção só em espanhol. Porque sai do vente e não da cabeça, não dá para procurar no dicionário.

Em casa falamos espangles....e quando brigamos, é raro, mas quando brigamos, ele fala em espanhol para que eu entenda, e eu falo em inglês para que ele me entenda...

Chile - Entra o chileno na comida, na música. Sou uma mulher chilena, muito mandona, tenho todos defeitos da mãe chilena - muito mais dominadora que a mãe judia, italiana. O estilo chileno está sempre presente na minha vida, mas moro nos Estados Unidos, o inglês faz parte da minha vida.

Personagens - O autor está na verdade em todas as personagens, porque ele escolhe contar aquelas histórias e não outras. Até mesmo nos personagens que detestamos, nos vemos neles.

“Plano infinito” - Estava fazendo uma viagem de promoção e conheci um gringo que contou a historia de sua vida - então o ponto “g” está na orelha, quando alguém nos conta uma história.

Mas a historia não acabou esta noite, tive que acabar a viagem promocional e depois fui encontrar meu filho na Venezuela. Ele me perguntou, “o que aconteceu mãe” e eu disse “estou apaixonada”, ele “mas nessa idade?” – eu tinha 45 anos na época. Então foi idéia dele que eu fosse passar uma semana nos Estados Unidos para esquecer ele.

Casamento - O que aconteceu é que eu precisava de um visto americano, já estava há três meses e o meu visto de turista ia vencer. Ele me disse que já tinha sido casado duas vezes, que casamento não era para ele, eu disse, “entendo, mas você tem até amanha ao 12 dia para decidir”. 11 e 45 ele me ligou, “sim”. Então foi assim, muito romântico...

Jornalismo e Escrita - Me ajudou muito [ter sido jornalista] e me ajuda muito. Me ajudou a usar a linguagem de forma eficiente. O jornalista tem pouco espaço para contar ao leitor uma historia de forma interessante, tem que ser eficiente, trabalhar contra o tempo, fazer o trabalho de forma constante. Também pesquiso muito.

O jornalista sabe que há um leitor para quem você está contando, há escritores que esquecem o público, eu acho que, como venho desse mundo, eu imagino o leitor, não quero cansá-lo, quero mantê-lo comigo até a ultima página.

Pablo Neruda - Eu era uma péssima jornalista, mentia à beça. Como jornalista não dava certo, mas isto não é defeito na literatura.

Foi ele [Pablo Neruda] que me disse que eu era uma péssima jornalista. Em 1973, agosto, o Pablo Neruda me ligou e me pediu para ir onde ele morava. Ele já era prêmio Nobel, era uma honra para mim. Comprei um gravador novo, lavei meu carro e fui. Foi um almoço maravilhoso, conheci a coleção de garrafas dele, ele colecionava um monte de porcaria.

Então eu falei “vamos começar a entrevista” e ele respondeu “eu jamais vou deixar você escrever uma matéria sobre mim, você é a pior jornalista do Chile, porque você não escreve ficção?” Um mês depois houve o golpe e ele morreu logo depois, dizem que foi pena, mas ele estava muito doente.

Pouco tempo depois eu também fui para o auto-exílio. Comecei a escrever para tentar recuperar minha memória, reunir quem estava espalhado pelo mundo, ressuscitar os mortos.

Se continuasse no Chile - Acho que provavelmente continuaria sendo uma péssima jornalista. Talvez, no fundo, eu já quisesse ser uma escritora. Foi antes daquele boom da literatura latino americana. Não havia estímulo. Mas eu comecei a escrever por necessidade, uma busca, desespero...

Cartas entre Isabel e sua mãe - Tenho um acordo com minha mãe de que ninguém lerá estas cartas. Tenho guardadas cartas no closet, divididas em caixas por ano. Ela me escreve todo o dia, agora espera juntar algumas páginas para enviar. Atualmente eu respondo por e-mail, nos falamos por Skype, mas ela continua me escrevendo as cartas. É uma pena, porque muitas conversas que temos no Skype não estão em cartas.

Elas serviram como material histórico, tinha a prova das cartas, claro que era minha interpretação, mas isto está se perdendo, hoje minha mãe está com 90 anos.

Existe um compromisso, a gente não escreveria com a mesma liberdade se outras pessoas fossem ler. Eu e minha mãe fofocamos muito.

Família - Minha família está em tudo o que eu escrevo, toda a família ficou brava com “A Casa dos Espíritos”, ficaram quase 20 anos sem falar comigo. Só quando saiu o filme é que voltaram a falar comigo - “agora tudo bem”. Quando escrevi a “Soma dos dias”, muita gente ficou ofendida...

Um dia vou escrever a historia da minha mãe, toda a historia, tudo o que aconteceu com ela é muito impressionante. Ela viveu a época da Segunda Guerra, era nova...

Meu pai eu não conheci, tinha três anos quando ele foi embora. Ele largou minha mãe sozinha quase tendo o meu terceiro irmão. Em Lima, onde eles moravam.

[por 2 minutos o sinal caiu]

A primeira vez que eu encontrei um cadáver, foi muito triste. Era meu pai...foi a última vez que o vi. Quando eu escrevi o romance [“A Casa dos Espíritos], minha mãe leu e todos os defeitos do meu pai naquele personagem. Eu ainda tinha colocado o mesmo dele, mas não sabia. Eu não conhecia ele, não tinha visto foto, minha mãe jogou todo. Eu devo ter ouvido isso alguma vez e ficou tudo gravado na memória. Mudei o nome do personagem, mas tínhamos que encontrar um nome com mesmo numero de letras.

Salvador Allende - Foi a única pessoa que manteve contato com minha família depois que ele [pai] foi embora. Também porque ele era amigo do meu padrasto, tanto que quando foi presidente ele nomeou meu padrasto como embaixador de Buenos Aires. Como era perto de Santiago, ele vinha constantemente fazer reuniões pessoais com o presidente.

Quando ele foi presidente, na verdade vi-o muito mais do que antes.

Não seria capaz de escrever uma biografia dele, não vi muito, não seria imparcial...

Uma vez estávamos em um almoço na casa de campo e tinha esse fuzil, que era presente do Fidel Castro para ele. E eu peguei o fuzil e apontei na cara dele e um segurança entrou na frente me derrubou. Dizem que ele se matou com um fuzil que tinha sido presente de Fidel Castro.

Adaptações - Agora “A Casa dos Espíritos” está no teatro e eles a transformam. Fazem outra criação com que eu não me identifico, mas sempre me parece uma honra que transformem minha histórias.

Humor - (Você continua sonhando com Antônio Banderas?)

Sim, ele não está mais tão jovem, mas eu também não...seria bom para um sábado de tarde.

(Quem interpretaria Isabel Allende em um filme da sua vida?)

Penélope Cruz...(risadas)

(A ultima vez que eu te fiz essa pergunta você falou Sonia Braga...)

Mas agora tem a Penélope Cruz...Gostava de uma loira, alta, com pernas compridas, mas ficaria muito estranho.

Feminismo - Nunca entendi o feminismo como uma guerra, eu gosto muito dos homens – primeiramente, Antônio Bandeiras. Trabalhei em revista feminina e feminista e era uma batalha contra o machismo. Achava que em 20 anos acabaríamos com o patriarcado. Atualmente tenho uma fundação para mulheres e meninas. 80% das mulheres no mundo ainda são submissas, casamento cedo, não tem direitos a educação, saúde...e é esse meu trabalho. Entendo feminismo como solidariedade feminina.

(a testosterona é culpada?)

É obvio que é. Quem agride são os homens. Se uma mulher estiver andando na calçada e encontrar outra nada vai aconteceu, mas se vê um homem na calçada, você sempre tem uma duvida. Na própria guerra, a maioria dos crimes é culpas dos homens. Acho que deveria eliminar a testosterona cedinho...

Reeditar - O humor é como peixe, se estraga rapidamente, reeditar uma série de humor como o “Civilismo Troglodita” não teria a menor graça. Passou rapidamente. Hoje o “Civilismo Troglodita” já não teria menor sentido.

Envelhecimento - Hoje me falaram do Pitangui, que ainda está vivo, eu pensei que talvez seja uma possibilidade. A maturidade tem coisas boas – poucas – e muita dificuldade, não gosto da dependência, das dores.

Mas vamos nos desprendendo da arrogância da juventude, ficamos mais humildes e mais livres conseqüentemente. Há uma volta para os amores já comprovados, da família, amigos, que ficam na vida. Acabam muitas coisas inúteis e, com a maturidade, eu não consigo agüentar o ruído. Não apenas o barulho do mundo, mas essa voz interior. Eu necessito de silencio, espaço interior, onde se manifestam personagens, os amores, os espíritos...

(Aplausos)

Como me vejo velha? Não sei...acho que vou diminuir ainda mais de tamanho. Espero continuar a ter cabelo e dentes – mesmo que artificial. Imagino que vou ser uma velha um pouco louca e mais depreendida do mundo, como minha mãe. Ela esta mais livre, tem uma espécie de sabedoria desapegada, nada importa. Essa grande liberdade eu gostaria de ter.

Dá para iluminar a sala para ver as pessoas?

Influências - Na minha juventude lia autoras femininas, buscava uma linguagem articulada para expressar minha raiva diante de uma sociedade que me parecia injusta. Romancistas russos, romances épicos. Quando tinha 12 anos estava no Líbano. Nessa época as meninas não saiam, eu descobri que havia Elvis Presley quando ele já estava gordo.

Meu padrasto tinha as “Mil e uma noites”, eram quatro volumes que ele guardava às chaves. Eu descobri onde ficavam e quando ele saía eu entrava no armário e lia as “Mil e uma noites”com uma lanterna, acho que aquele despertar me ajudou muito.

Li muito ficção cientifica depois. Mas eu sou da primeira geração de escritores latino americanos que tiveram oportunidade de ler latino americanos. Gente como Gabriel Garcia Marquez - que é mais velho que eu.

“A Casa dos Espíritos” - Sempre fui muito agradecida a ele, porque abriu o caminho para os outros, não teria publicado os outros livros tão facilmente se “A Casa dos Espíritos” não tivesse sido um sucesso.

Personagens masculinas e femininas - Escrevi personagens masculinas, por exemplo, o que representa meu marido, o Esteban de “A Casa dos Espíritos”, o chinês de “A filha da fortuna”. Mas trabalhei para mulher e com mulheres minha vida inteira...é mais fácil.

Críticos - Você está exposto ao fazer algo publico. No Chile, os críticos foram muitos duros comigo. Muitas vezes disseram coisas que eu não gostei e outras que não gostei mais serviram como uma boa lição. Por exemplo, um crítico me disse que um livro era muito sentimental, minha primeira foi de defesa “se eu fosse um homem ele diria isso?” Alguém falou que “Amor nos tempos de Cólera” de Gabriel Garcia Márquez era muito sentimental? Então recebo muitas criticas por ser mulher. Mas procuro não evitar a emoção, mas evitar o sentimentalismo água com açúcar.

Conselho - Escrever é como um esporte. O atleta precisa treinar todos os dias, mas ninguém vê isso. A mesma coisa é com a escrita. Você tem que escrever todo dia, pensar em palavras, historias, tem que ser constantemente. Você rasga e joga no lixo milhares de folhas de papel para publicar uma. É um treinamento, não pode ser um hobbie.

Não gosto muito da vida social, especialmente coquetel. Eu sou pequena, ficam todos em pé, só vejo os pelos nos narizes. Uma vez estava em um coquetel e um senhor se aproximou de mim e perguntou o que eu fazia, falei que era escritora e ele me perguntou “o que você escreve?”, “romances” e ele respondeu “quando eu me aposentar vou escrever romance”, e eu disse “quando eu me aposentar vou arrancar dentes!” Que falta de respeito. Escrever é uma obcessão, é uma vida, não é com o arrancar dentes.


Um comentário:

  1. adorei a entrevista pole!!!!!!!!!!!!!!!
    essa parte de arrancar o dente realmente ela mandou mtoooooo bem
    bjs irma

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