Ate agora me segurei. Tenho agonia de brasileiros que vão para o exterior e depois voltam contando maravilhas e ressaltando como o nosso pais e atrasado: "ah, isto so acontece porque estamos no Brasil. Na Franca tal coisa nao aconteceria". Beleza, cada um com a sua opinião, mas gosto de lembrar a estas pessoas que nao e bem assim que as coisas acontecem. Estou aqui em Nova Iorque ha um mes e ja estive nos Estados Unidos outra vez e duas na Argentina. Nao sou uma expert, mas meu unico comentario e que em nenhum destes lugares - e sei de quem esteve em outros - voce e tratado como e no Brasil.
Aqui, eles querem o dinheiro dos brasileiros que se arrebentam nas compras, mas tratar voce como igual nao existe. Voce percebe nos olhos e ate mesmo na fala da pessoa que mora aqui e se dirige a voce que ela te acha inferior. Nunca tive este sentimento no Brasil. Nao viajei muito la dentro, mas para todos lugares que eu fui pude considerar que estava em casa.
Mas não vamos confundir amor e patriotismo com burrice. Assim como os melhores pais não passam a mao na cabeça dos filhos errados, tenho que ver que o Brasil e muito bom, mas que infelizmente isto e muito mais uma questão de sentimento do que razão. E quando falo para um estrangeiro das coisas lindas do Brasil, das Cataratas do Iguaçu, por exemplo, da cultura, tenho que lembrar que apesar de pagarmos milhares de imposto - a maioria embutido em produtos de uma forma que nem conseguimos identificar - as nossas rodovias sao terríveis, a nossa educação e lamentável e que a cada dia os brasileiros se sentem menos inseguros inclusive em suas próprias casas. E vou ficar nestes itens so para não prolongar mais ainda a conversa.
Sábado passado fomos em New Jersey, cidade e Estados vizinhos de Nova Iorque (mesmo que so precisemos atravessar o Rio Hudson para estar la), e a Judy, taiwanesa da minha sala, foi com o nosso grupo de brasileiros. Olhei aquela pista enorme e comentei, quase por acaso, "que maravilha" e lembrei que os motoristas comemoram no Brasil quando estão numa pista dupla. A Judy simplesmente não acreditou que a maioria da nossa malha viária e composta de pista simples, esburacadas e que ainda dividimos espaços com caminhões e motociclistas. No pais dela, uma ilha da Asia, as rodovias tem pelo menos quatro pistas de cada lado, a ultima so para policia e emergência. "Mas como vocês ultrapassam?", "Por que e assim se tantas pessoas morrem?". Nao soube responder estas perguntas e isto ficou entalado na minha garganta.
Logo que comecei a trabalhar num jornal impresso em Maringá, fui escalada para cobrir um acidente na PR-323. Quem e do Parana sabe do que estou falando. Uma estrada por onde passam inúmeros caminhões diariamente, toda esburacada, pista simples, mais de 50% das mortes em colisões frontais. Cheguei quando o corpo ja tinha sido levado, mas aquele lugar sempre vai carregar a tristeza duma família que perdeu um ente querido. Depois fiz uma matéria pegando os pontos da rodovia e quase todas as mortes eram nos mesmos lugares, mortes anunciadas. Outro dia, um colega tinha voltado de um acidente. Uma professora de cerca de 22 anos morreu numa das curvas. A mae ficou sabendo do acidente e correu para o local onde foi recebida por um policial rodoviário que sem nenhum traço de respeito ou humanidade deu a noticia: "o corpo já foi pro IML".
E a educação? No meio do ano passado fui designada para cobrir este setor para o jornal. Apesar de trabalhar apenas uns meses com isto, consigo me recordar de rostos de professores afastados por depressão com medo de ir a aula e a expressão de alunos de 15 e 16 anos que estudam ao lado da prestigiada Universidade Estadual de Maringá (UEM) e não tem nenhuma expectativa de fazer curso superior ou passar no vestibular de uma publica. Nunca disseram que eles são capazes, ao contrario, eles sempre foram o limbo da sociedade e esta ideia esta tão embutida na vida deles que eles perdem o gosto de sonhar. E o índice de reprovação numa escola publica chegou próximo dos 20%. O que e isto? E mesmo quando a manchete do jornal aponta este numero escandaloso, temos um alto índice de encalhe nas vendas. Ninguem vê que algo esta errado? Ate que vêem, mas ninguém se interessa em se mexer.
E a nossa prestigiada UEM? Sonho de milhares de alunos, funcionários e professores, a Universidade esta abandonada. Mas não e um privilegio so da UEM. No meu primeiro dia de aula na Universidade Estadual de Londrina (UEL) me deparei com esta situação. Alunos precisando matar aula para protestar para conseguir uma câmera ou um computador para o laboratório. Em 2006, ainda apresentávamos trabalho com retroprojetor ou levávamos o aparelho de DVD da nossa casa para a sala. Em 2007 precisamos levar um computador. Nao era época de notebook, levamos um desktop para conseguir montar um radiojornal. No ano seguinte, quando fazia monitoria numa sala de segundo ano, uma das dezenas de queda de energia acabou com um jornal da turma. Mesmo assim os alunos, professores e funcionários demonstravam um interesse sobre-humano.
Ha mais de um ano os professores e funcionários das estaduais tentam negociar com o governador. Acompanhei pelo menos duas datas limites "esquecidas" pelo governo, mas a novela não vai parar por ai. Neste momento, as federais também lutam por melhorias. Dois meses de greve e ate a ultima noticia que acompanhei por meio da minha irma, que trabalha como técnica para uma federal, as propostas so tinham contemplado os docentes, que recusaram. Alunos e demais servidores ficaram a ver navios mesmo após dois meses de braco cruzado. Não e possível!
Voltando para a educação básica. Aqui em Nova Iorque tenho estudado com pessoas de todas as idades, mas a maioria jovens que não entraram na faculdade. Descobri que o ensino médio na Italia dura cinco anos. Antes que alguém fale PQP, imagina mais dois anos na nossa escola, sei que não e uma questão de quantidade. Nao adianta aumentarmos os anos, mas queria fazer uma comparação. Um dos meus amigos tem 17 anos, e acabou o terceiro ano do ensino médio na Italia, tem mais dois para pensar o que fazer de faculdade. Ele estuda numa escola publica, sempre estudou e tudo o que ele sabe de inglês vem de la. Ao chegar aqui e fazer o teste de nivelamento, ele foi para a sala do nível 9, de 10.
Eu estudo inglês a cinco anos no Brasil. Não posso nem pensar no que aprendi na escola, particular que os pais fizeram aquele esforço para pagar. Calculei ter gasto pelo menos R$ 6 mil por fora no curso de inglês. Cheguei aqui, consegui entrar na minha sala do Toefl que não tem nível definido, mas segundo a professora e entre o 6 e o 7.
Esta semana também conheci um grupo de espanhóis. Eles ganharam bolsas de um mês aqui porque são os melhores alunos das universidades publicas de la. Também soube que a Arabia Saudita custeia estudantes em países de língua inglesa como forma de incentivo para ter mais gente falando outra língua. So para refletir.
E a segurança? Recebi uma noticia triste do Brasil na noite passada de que assaltaram a casa de conhecidos nossos. Ninguém ferido fisicamente apesar de terem sido rendidos por um grupo armado. Mas quanto ao emocional, quem pode garantir? E infelizmente esta e apenas mais uma historia. Quem ai não conhece uma porção de outras como esta ou ate viveu isto?
Hoje precisei deixar de curtir Nova Iorque por uma manha. Aqui e temporário, mas o Brasil e a minha vida. E estou de luto por ele.
nao dah pra saber onde td isto vai parar... qdo as pessoas vao começar a se revoltar e efetivamente se mobilizarem para mudar esta situaçao. só nao dah mesmo pra xingar o brasil pq todos os lugares do mundo tem seus defeitos...
ResponderExcluirO meu número estimado é de zero-um por cento ou 0,1% ou um por mil. Dos 360.000 habitantes de Maringá-PR, estimo que ao redor de 360 pessoas arregaçam as mangas e vão à luta para tentar virar o jogo. Esta proporção de um por mil é uma estimativa minha que há décadas atuo forte no Terceiro Setor, tentando fazer a minha parte como naquela pequena fábula do beija-flor que vê o incêndio na floresta e voa até o lago, molha as asas e vem aspergir a água no incêndio. Um bicho pergunta se ele acha que com isso vai apagar o incêndio e ele diz: Se vou conseguir apagar ou não, eu não sei. Só sei que estou fazendo a minha parte. Acho que é por aí. Tentar doar uma parte do meu tempo e do meu esforço para um futuro mais justo para os que estão chegando...
ResponderExcluirMuito bom, Pole!
ResponderExcluirManu